"Me disseram outro dia:"Será que você não dá conta de escrever sem falar em Deus, não? Gosto mais quando você escreve sem falar em Deus..." Isso me magoou, me deixou com um talho no peito, os olhos postos em cinza e melancolia, primeiro por causa da coisa mesma, segundo porque quem assim me falou eu amo de dar a vida. Eu acho que o homem é religioso como é bípede. Tem Deus no começo e no fim. No meio fica a gente esperneando. Se espernear de acordo, isto é, com sinceridade, esbarra Nele, não tem conversa. Tem gente que grita por gritar, porque acha bonito. Comigo aconteceu, não por mérito meu, está se vendo, que esbarrei cedo. Mais esperneio, mais esbarro e fico puxada, feito ímã. Como que eu posso falar de outra coisa? Sofro muito apesar da cara risonha, porque Ele sempre é muito exigidor e fica pedindo coisas difíceis. Tinha muito a tentação de ser pagã. Imaginava que pagão não pagava dízimos, que era só ficar aí, curtindo, lambendo o mel da vida, dançando, saindo no meio do baile com o seu par, procurando um lugar discreto no jardim, pra cochichar no ouvido aquelas coisas boas, segurando na mão da gente, com maciez e quentura. Isso é paraíso, não é? Mas não tem paraíso aqui pra ninguém não. Deus não pega na minha mão. Falar no meu ouvido Ele fala, mas é assim:"Vai, vende tudo que tem, reparte com os pobres e me segue". Não me beija o rosto e ainda me pede a outra face para o bofetão. "
Adélia Prado in "Solte os cachorros"
Adélia Prado in "Solte os cachorros"
04 dezembro, 2006 09:52
Adoreeeei...cada dia mais gosto dos textos da Adélia! Parabéns Diego, seu blog é uma maravilha de Deus!!