"Eu vou beijar teus pés. Quero um beijo demorado... para ver se meu choro lava o passado..." (Diego Fernandes)

Essa é a oração que tenho feito. Estou pedindo para que Jesus me dê a graça de experimentar uma conversão sincera como a da mulher que lavou Seus pés com choro e beijos. Como prometi nas postagens anteriores, hoje selecionei alguns trechos da segunda conferência do retiro "São Bernardo e os 3 beijos" intitulada: II. O BEIJO DOS PÉS.

[...] A fusão destas duas consciências é a consciência do pecado, de ser um pecador. Interessante: só é possível ser um pecador quando Deus existe e quando ele é radi­calmente bom. Esta experiência é classicamente descrita como compunção na Igreja Ocidental (penthos na Igreja Oriental), de pungere, perfurar. Em Cristo, Deus operou uma ruptura na dureza de nossos corações. Colocou o dedo no velho, mara­vilhoso, relacionamento, fez com que nos sentís­semos pesarosos por tê-lo perdido e, por fim, profundamente arrependidos por tudo isto ter sido culpa nossa. É por isto que a compunção é caracte­rizada por dois fenômenos físicos: uma sensação de queimação e o derramar de muitas lágrimas.

[...] S. Bernardo está preocupado se este beijo não vai conseguir atrair a nossa atenção ou se não vai interessar a Deus. Ao contrário. Esta experiência de arrependimento e perdão marca o começo da santidade. “É aí (aos pés de Cristo) que a etíope mudou a sua pele e recobrou a sua inocência. É aí que ela deixou o fardo dos seus pecados e se revestiu de santidade (“Sancta peccatrix peccata deposuit, induit sanctitatem”). Quanto a Deus, temos o testemunho dos Evangelhos de que “há mais alegria no céu entre os anjos de Deus por um só pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não necessitam de conversão”.

[...] Este beijo inicial de compunção não deve ser entrecortado – é um beijo demorado. Não é preciso ter pressa para terminar com ele, para levantar a cabeça e buscar beijos melhores, mais elevados. Devemos esperar de cabeça baixa e expressão constrangida até que Cristo diga a palavra de per­dão. Isto também é misericórdia, mais do que vin­gança. Arrependimento demanda tempo. Houve um longo acúmulo de atos, atitudes e omissões que ofenderam a Deus e, mesmo psicologica­mente, precisamos de tempo para lembrar de tudo isso e lamentá-lo devidamente. É por isto que S. Bernardo diz que o trabalho do noviço é chorar. Geralmente, o noviciado monástico é uma expe­riência intensa do primeiro beijo – o escancarar do coração, o encontro com sua própria pecaminosi­dade, as lágrimas, a palavra libertadora de Cristo. Doloroso no início, torna-se consolador esvaziar o coração da culpa e da amargura acumuladas, dei­xando sair tudo, “sacudido pelos soluços benfa­zejos” (salutaribus intra se succussa singultibus). Guilherme de St-Thierry, grande amigo de S. Ber­nardo, dizia que o que ele mais desejava era chorar no colo de Deus.

[...] De fato, a compunção não chega a um fim. Não se trata aqui de insinuar que o perdão de Deus é condicional ou revogável, mas sim que a meta­nóia continua sendo a base permanente da vida espi­ritual. Na tradição monástica ela se torna um modo de vida. É viver em “alegre pesar” ou “ale­gria pesarosa”, pesar por haver ofendido a um Deus que se torna cada vez mais amável aos nos­sos olhos, pesar pelos pecados que aparecem cada vez mais claramente em suas verdadeiras cores (Ícone de Nossa Senhora); alegria porque agora pertencemos de coração e alma a este Deus, ale­gria em experimentar uma vez após a outra, e sempre como algo novo, a graça do perdão. Sere­mos sempre pecadores perdoados; tire esta funda­ção e a casa espiritual desmorona. Ao mesmo tempo, a experiência da compunção será gradual­mente absorvida em formas maiores de intimidade com Deus.

[...] O Cristo Senhor tem dois pés, diz Bernardo, e deve­mos apegar-nos persistentemente a ambos. Com estes dois pés, Cristo caminha em nossa mente – quer dizer, forma o conteúdo de nossa memória. Se nos apegarmos demasiadamente ao pé da santi­dade de Deus, o que predominará em nós será o medo: medo do que fizemos e daquele a quem o fizemos, e a possibilidade de condenação mesmo agora. Isto nos torna demasiadamente rigorosos em nossas práticas, rígidos em nossas atitudes, tensos em nossas emoções. Se, por outro lado, pensarmos exclusivamente na misericórdia de Deus, o que toma conta de nós é a esperança. Es­perança é bom, evidentemente, mas não uma espe­rança não nuançada pelo temor divino. Tal esperança nos torna laxos em nossas responsabili­dades, negligentes em nossa vida espiritual, des­cuidados na abordagem de nossa vocação. Esta é a maneira como Bernardo afirma um princípio que lhe é caro ao coração: os dois piores pecados são o desespero e a presunção. O caminho para além de ambos é atrelar em nossa mente estes atributos gêmeos de Deus – justiça / santidade e misericórdia, como diz o salmista: “Quero cantar a misericórdia e a justiça” (Sl 100).

[...] O segundo beijo é mais deliberado, mais reflexivo, mais pacífico. Trata-se de um processo de recons­trução da pessoa, e o nome de Bernardo para ele é o beijo das mãos. Nossa aceitação deste lento es­tágio médio é muitíssimo agradável a Deus. Baseia-se numa das virtudes centrais do catálogo bernardiano: modéstia (verecundia). Então, na próxima conferência, se Deus quiser, nós beija­remos a sua mão. +

Confira trechos do retiro "São Bernardo e os 3 beijos" realizado pela nossa Sociedade dos Amigos Fraternos de Thomas Merton . No blog http://retiro2008saftm.blogspot.com você encontra as "anotações do pregador" usadas nas cinco conferências do retiro e as informações sobre como pedir os CDs com as conferências e homilias dos retiros de 2008, 2007 e 2005. Não perca próxima postagem com seleção de trechos da conferência: III. O BEIJO DA MÃO

Dum spiro, spero!

Tamu junto!

Diego Fernandes

0 Comment